“É preciso lutar pela emancipação total e, esperando e preparando o dia
em que ela será possível, é preciso arrancar do governo e
dos capitalistas todas as melhorias de ordem política e econômica
que podem tornar menos difíceis para nós as condições da luta e aumentar o número daqueles que lutam conscientemente. É preciso, portanto,
arrancá-las por meios que não impliquem o reconhecimento da
ordem atual e que preparem o caminho ao futuro.”
Errico Malatesta
O anarquismo é uma ideologia e, portanto, uma ferramenta de luta para a transformação social. Assim, não se pretende filosofia, ciência política ou muito menos deseja condicionar a realidade a si mesmo. Ao contrário, vemos o anarquismo ao longo da história se manifestar de maneiras distintas no movimento social, o que diz respeito às especificidades próprias de cada região ou momento histórico. O anarquismo assumiu contornos diferentes, seja com os sindicalistas revolucionários no início do século no Brasil ou com o magonismo durante a Revolução Mexicana, sempre desejando, contudo, uma ruptura revolucionária com o sistema capitalista ou com quaisquer formas de dominação travestidas de governos populares.
Como tal, o anarquismo não enxerga em uma única classe o potencial agente revolucionário. A luta dos sem-teto, sem-terra, desempregados é tão importante quanto as demais lutas de outras classes que sofrem com mais força a violência do sistema capitalista: para o anarquismo, estas lutas não devem ser levadas a “reboque” por uma classe que contém a “essência” revolucionária e nem devem ser controladas por partidos ou por vanguardas, sejam elas quais forem, muito menos estarem atreladas a um calendário eleitoral, que apenas recicla os carniceiros ou hipócritas em seus postos.
Com este espírito, iniciamos um trabalho em 2003 com as ocupações urbanas de sem-teto aqui no Rio de Janeiro, que culminou na fundação da FIST (Frente Internacionalista dos Sem-Teto), instância que definitivamente foi importante para articular a comunicação das ocupações urbanas que a compunham a garantir a força política necessária contra o Estado que desejava despejá-las.
Nossa participação na FIST se deu sempre na luta ombro a ombro, trocando experiências que nos foram muito importantes como organização específica anarquista e renovando nossas esperanças no anarquismo social : o anarquismo que participa com compromisso, ética e responsabilidade nos lugares onde efetivamente ocorre a luta de classes.
Em tempos de hegemonia de concepções autoritárias no movimento social, que desejam controlá-lo ou disputar legendas, constantemente pelo aparelhamento, a atitude anarquista é sempre vista com surpresa ou desconfiança, afinal, o legado da esquerda tradicional ainda segue as bíblias vermelhas que insistem em repetir que a consciência da classe trabalhadora vem de fora do movimento : em outras palavras, que os trabalhadores são incapazes de decidir seus próprios destinos, devendo deixar a uma classe de “iluminados” esta tarefa, os tais “donos” dos movimentos sociais, que trabalham com a prática repulsiva de que os “fins justificam os meios”.
Dada nossa herança política antiautoritária, que contraria qualquer tentativa de controle, decidimos nos retirar cordialmente da Frente Internacionalista dos Sem-Teto, conforme comunicado em nosso último periódico Libera, não abandonando o trabalho com o movimento sem-teto, mas fazendo isso diretamente, entre a FARJ e as ocupações. [FARJ. Nosso Trabalho com as ocupações e a FIST.]
Paralelamente a isto, começamos a nos relacionar politicamente com membros do MTD (Movimento dos Trabalhadores Desempregados) aqui do Rio de Janeiro. O MTD é um movimento de âmbito nacional, com particularidades próprias de cada região e que se organiza em torno da questão do trabalho, tema central aos anarquistas desde sempre, e que encontra suas origens no movimento libertário com as idéias de Proudhon.
A questão do desemprego nunca nos foi totalmente estranha, visto que a luta no movimento de moradia está intrinsecamente ligada à questão da falta de condições financeiras para obter uma vivenda digna. Além disto, há uma abertura muito grande de setores de desempregados que moram nas favelas cariocas a um tipo de movimento que não esteja ligado às velhas promessas eleitorais ou grupos de políticos “iluminados”, que seja autônomo e combativo, tanto em discurso quanto em prática.
As relações com os companheiros do MTD-RJ foram se estreitando e com uma perspectiva mais ampla de trabalho político, inclusive agregando alguns companheiros sem-teto empolgados pela proposta e que já militavam conosco. Nós, anarquistas da FARJ, neste ponto aceitamos com muito entusiasmo a tarefa de ajudar a reconstruir o MTD no Rio de Janeiro, mantendo obviamente nossa personalidade política anarquista, defendida por nossa organização específica.
Nos agrada recordar, mantendo a humildade, mas não sem um certo grau de satisfação por longos e duros anos de batalha, o motivo do convite feito pelos companheiros desempregados do MTD-RJ. O convite para compormos as fileiras da reconstrução do movimento, só foi possível porque se baseou na confiança ética e política, assim como na disponibilidade para a luta que os companheiros enxergavam em nossa organização. Isso, certamente nos dá mais motivos para reforçarmos a necessidade da organização específica anarquista que empunha a bandeira do anarquismo social, aplicando-o na prática.
Para os desempregados e desempregadas não há muitas saídas diante da barbárie capitalista caso não decidam se organizar coletivamente. A luta do MTD-RJ não é por emprego pleno, algo inalcançável no sistema capitalista, mas sim pela auto-organização desses trabalhadores.
Primeiramente nas lutas que consideramos de curto prazo, que são: a criação de cooperativas de trabalho para geração de renda, a auto-formação política, a organização de núcleos do movimento pelos trabalhadores, a agitação cultural e a luta por melhorias imediatas. Além disso, consideramos fundamental uma perspectiva de luta de longo prazo calcada na autonomia e que visa uma ruptura revolucionária com o sistema capitalista: a tomada dos meios de produção, o estabelecimento da autogestão social e o exercício da prática política federalista interligando a atividade dos núcleos num âmbito mais amplo.
Entendemos que desta forma os trabalhadores poderão retomar o grito que lhes foi sufocado pelos donos do poder.
Bons ventos nos trazem as lembranças de setores mais radicalizados do Movimento dos Trabalhadores Desempregados em diversas partes e lugares do mundo... Que seja próspero o futuro deste movimento, que desejamos ajudar a (re)construir, com muita força, trabalho e humildade!!!
FARJ